A história da moeda e a senhoriagem
Neste post vamos trazer uma pitoresca história que ocorreu em Portugal entre os anos de 1925 e 1930 para ilustrar a evolução da moeda, que do padrão-ouro, passou pelo papel-moeda de curso forçado, até a abolição do Tratado de Bretton Woods, encerrando o padrão dólar-ouro.
A SENHORIAGEM DO CASO PORTUGUÊS
Apenas para contextualizar, o padrão-ouro significou a adoção de um regime cambial fixo por parte de praticamente todas as grandes potências econômicas no final do século XIX. Cada país fixava o valor de sua moeda em relação a uma quantidade específica de ouro, e a necessidade de realizar políticas monetárias, de compra e venda de ouro, tendo em vista preservar tal paridade definida. Ou seja, o padrão-ouro ensejava uma situação de equilíbrio na economia internacional onde cada país mantinha uma base monetária consistente com a paridade cambial, equilibrando sua balança comercial.
Com o desfecho da 1ª Guerra Mundial, os Estados Unidos emergem como nova potência além-mar e o Ocidente passa a ter uma nova ordem monetária e econômica internacional. Como nação hegemônica, os Estados Unidos impõem ao mundo o dólar como moeda internacional e a supremacia monetária do país acaba ditando o rumo das finanças mundiais. Em 1944, nos termos dos Acordos de Bretton Woods, o padrão libra-ouro (1870 – 1914) dá lugar ao padrão dólar-ouro.
As principais disposições do sistema Bretton Woods foram a obrigação de cada país adotar uma política monetária que mantivesse a taxa de câmbio de suas moedas dentro de um determinado valor indexado ao dólar – mais ou menos 1% – cujo valor, por sua vez, estaria ligado ao ouro numa base fixa de 35 dólares por onça Troy, e, a provisão, pelo FMI, de financiamento para suportar dificuldades temporárias de pagamento.
Em 1971, diante de pressões crescentes na demanda global por ouro, Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos, suspendeu unilateralmente o sistema de Bretton Woods, cancelando a conversibilidade direta do dólar em ouro. É o fim do padrão-ouro!
Além do contexto mundial, uma definição importante para entender o caso português, que será exposto a seguir, é acerca do conceito de “senhoriagem”. A expressão “senhoriagem” surgiu na Idade Média, quando senhores feudais e reis cobravam uma taxa para permitir que emissores privados cunhassem moedas com ouro e prata. Hoje, ela é associada aos ganhos que o Banco Central dos países tem com a emissão de moeda, que são arrastados, sobretudo, pela inflação. No Brasil, a “senhoriagem” torna-se oficial a partir do DECRETO DE 4 DE AGOSTO DE 1808, assinado pelo Príncipe Regente, que “Manda estabelecer nesta Cidade (Rio de Janeiro) um banco para permutação das barras de ouro existentes em mãos particulares”.
O conceito atualmente adotado pelo Banco Central do Brasil (BC) para mensurar a senhoriagem é dado pela variação da base monetária, descontada a inflação do período e, por fim, do custo de produção da moeda. Para esse conceito denomina-se “senhoriagem monetária”.
A divulgação da “senhoriagem monetária” foi imposta ao BC por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU). O BC passou a abrir o seu lucro com a emissão de moeda e a “senhoriagem monetária” foi publicada pela primeira vez no balanço anual da instituição em 2011. A exigência do TCU visa a dar transparência aos ganhos do governo com seu monopólio para imprimir dinheiro, permitindo ainda a apropriação de receita com a inflação.
Outro conceito importante é o de “Base Monetária”
A “Base Monetária” é uma medida da emissão de moeda pelo BC. Nela está incluído o dinheiro fabricado sob a forma de cédulas e moedas e as reservas bancárias, ou seja, uma parcela dos depósitos à vista que as instituições financeiras (outros bancos) são obrigadas a deixar retida no BC, ou seja, os chamados depósitos compulsórios. Desse valor é deduzido o custo de emitir dinheiro. Os lucros do BC são maiores com o aumento da inflação, pois os indivíduos e empresas passam a carregar mais dinheiro para fazer as mesmas transações. Por exemplo, segundo o Relatório de Administração do BC de 2018, naquele ano a variação do meio circulante foi de 14,6 bi, a variação dos compulsórios sobre depósitos à vista foi de 9,3 bi, resultando uma variação da base monetária de 5,3 bi. O IPCA foi de 3,75% a.a. e a receita de senhoriagem, descontando-se a inflação anual, ficou em 5.1 bi. Descontando-se ainda as despesas de produção e emissão de moedas (0,8 bi), o resultado de “senhoriagem monetária” foi de 4.3 bi.
Agora vamos à história da falsificação e da fraude portuguesa.
Por volta de 1925, Artur Virgilio Alves Reis passando-se por preposto do Banco de Portugal encomenda à Casa Waterlow & Sons, até então fabricante de papel-moeda de Portugal, um lote de 480 mil cédulas de 500 escudos com a imagem de Vasco da Gama. De posse da moeda, Artur Virgilio Alves Reis abre um banco para distribui-la ao público. Vale lembrar que o papel-moeda impresso é legítimo, assim como a sua circulação, vez que já haviam cédulas da espécie impressas e circulando anteriormente à atuação do recém-criado banco.
Descoberta a fraude, o Banco Português move uma ação judicial e manda retirar de circulação todas as cédulas impressas por encomenda de Artur Virgilio Alves Reis e também todas as outras emitidas pelo próprio Banco Português, antes do golpe, substituindo-as por outras. No deslinde do processo, o réu Artur Virgilio Alves Reis expõe o Banco Português, que era privado, acusando-o de emitir cédulas de curso forçado muito além dos limites do seu contrato com o governo português, sem registro e sem respeitar a paridade oficial estabelecida.
Em Portugal, Artur Virgilio Alves Reis e seus cúmplices foram presos, mas em Londres, o Banco Português processou a Casa Waterlow & Sons por quebra de contrato e negligência. No frigir dos ovos, a Casa Waterlow & Sons estava propondo indenizar o Banco de Portugal apenas pelo custo da produção do papel-moeda, porém a instituição portuguesa queria receber o valor de troca das cédulas, deduzido dos valores recuperados com a liquidação do banco de Artur Virgilio Alves Reis, ou seja, uma quantia bem maior.
Sem delongas, o Banco de Portugal saiu-se vencedor no processo na Câmara dos Lordes, devendo receber o valor integral demandado e confirmando, em plena vigência do padrão-ouro, que o papel-moeda possuía poder de compra, contrariando a completa ausência de compromisso do Estado acerca dessa verdade. Naquela época a senhoriagem surgiu como uma novidade assombrosa, comparada à “Revolução Copernicana”, deixando o mundo livre para um novo sistema monetário e a moeda não mais atrelada à produção de metais preciosos, mas sim uma expressão da credibilidade da nação que está representada.
No Brasil, a moeda fiduciária como a conhecemos teve origem com o advento do Decreto 23.501, de 27 de novembro de 1933, em plena ditadura, quando um governo provisório é instaurado pela “Revolução de 30”. Mas essa é uma outra história…
Somos Taker!