Agência Brasil explica a diferença entre o novo quadro e o teto de gastos
Previsto para ser enviado ao Congresso Nacional na próxima semana, o novo arcabouço fiscal substituirá o teto de gastos que vigora desde o final de 2016. Mas, afinal, qual a diferença entre a futura regra e a atual?
Na última quarta-feira (5), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a União teria que cortar R$ 30 bilhões em despesas obrigatórias em 2024, caso o teto fosse mantido. Segundo ele, os cortes afetariam não apenas gastos discricionários (não obrigatórios), como água, luz, internet, material de escritório e telefone, mas também afetariam programas sociais.
“Se o teto de gastos for mantido, não precisaríamos mais cortar gastos discricionários. Teríamos que cortar R$ 30 bilhões das despesas obrigatórias se (o teto) fosse mantido a partir de 2024. Para subsidiar financiamentos?”, explicou o ministro em evento a um banco investidor.
Para entender o que vai mudar com o novo marco, é preciso entender o processo que levou à inviabilização da continuidade do teto de gastos.
limite de gastos
Promulgado com previsão para durar 20 anos, o teto de gastos federal limita o crescimento das despesas primárias da União devido à inflação acumulada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). As despesas incorridas em 2016 passaram a ser corrigidas pelo indicador todos os anos, com aplicação da inflação acima do limite do ano anterior.
A Constituição permite que o teto seja ultrapassado em alguns casos: créditos extraordinários (relacionados a despesas emergenciais), capitalização de empresas estatais não dependentes do Tesouro (mecanismo utilizado para solucionar problemas financeiros ou preparar empresas para privatizações), despesas do Tribunal Eleitoral Justiça com eleições e transferências obrigatórias da União para estados e municípios.
Dentro do limite global, há limites para o Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público Federal e Defensoria Pública Federal, sendo que alguns órgãos dessas categorias também obedecem a sublimites. Até 2019, o Executivo compensava eventuais deficiências dos demais poderes em um cronograma de transição.
De acordo com o teto de gastos, em 2026 o índice seria revisado, podendo ficar acima da inflação. Até 2020, a correção era feita com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) entre julho de dois anos antes e junho do ano anterior. Com a Emenda Constitucional dos Precatórios, promulgada em 2021, o índice passou a considerar toda a inflação do ano anterior.
Entre janeiro e junho, vale a inflação efetiva do primeiro semestre. De julho a dezembro, vale um projeção para o IPCA, valor que é compensado quando da divulgação do índice completo do ano anterior, em janeiro do ano seguinte. Na época, a mudança visava liberar R$ 64,9 bilhões no Orçamento de 2022, ano eleitoral.
Ao contrário de outros países, o teto de gastos brasileiro não tem válvulas de escape como exclusão de investimentos (obras e compra de equipamentos) e gastos sociais da regra. Outra possibilidade de fuga é a suspensão da regra em momentos de baixo crescimento econômico, como no Peru.
No país vizinho, país que adota um teto de gastos desde 1999, os gastos não são simplesmente corrigidos pela inflação. As despesas podem ter crescimento real (acima da inflação) de 2% nos primeiros anos e de 4% a partir de 2004.
Emenda Constitucional de Transição
Sem válvulas de escape no Brasil, a Constituição foi alterada várias vezes desde 2019 para permitir furos no teto de gastos, envolvendo R$ 828,41 bilhões fora do limite. Desse total, a maior parte correspondeu ao Orçamento de Guerra para enfrentar a pandemia de covid-19 em 2020. Foram R$ 507,9 bilhões, segundo cálculos do economista Bráulio Borges, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre). .
Com a liberação de R$ 108,46 bilhões pela Emenda Constitucional dos Precatórios e outros R$ 41,2 bilhões com a Emenda Constitucional que elevou a Ajuda Brasil para R$ 600 e criou o auxílio para taxistas e caminhoneiros, o teto de gastos estouraria em 2023. Para evitar Após a paralisação do Orçamento deste ano, o governo eleito articulou a aprovação da Emenda Constitucional de Transição.
Promulgada em dezembro do ano passado, a Emenda Constitucional de Transição excluídos até R$ 168 bilhões do teto de gastos em 2023. Desse total, R$ 145 bilhões correspondem ao novo Bolsa Família com valor mínimo de R$ 600, sendo que até R$ 23 bilhões poderão ser gastos em investimentos caso haja excesso de arrecadação .
Em troca de criar mais um buraco no teto de gastos. O texto, porém, estabelecia a obrigatoriedade de o governo enviar – até agosto deste ano – projeto de lei complementar com nova estrutura fiscal ao Congresso. Para permitir que o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 seja enviado até 15 de abril, data estabelecida pela legislação, no novo marco, o governo decidiu antecipar a divulgação das novas regras.
Novo quadro fiscal
Apresentado em 30 de março de o novo quadro fiscal combina regras de resultado primário (resultado das contas do governo sem juros da dívida pública) e controle de gastos. Os gastos do governo podem crescer entre 0,6% e 2,5% acima da receita do ano anterior em valores reais (corrigidos pela inflação).
Dentro dessa faixa de 0,6% e 2,5%, as despesas podem crescer até 70% da variação da receita do ano anterior. De acordo com o Tesouro Nacional, o limite considerará a receita líquida, quando as transferências obrigatórias aos estados e municípios forem deduzidas das receitas da União.
Embora as despesas estejam sujeitas a um teto de crescimento, há diferenças marcantes em relação ao atual teto de gastos. Primeiro, as despesas estão atreladas às receitas, o que cria um caráter pró-cíclico para o novo quadro fiscal, em que as despesas crescem mais quando o governo arrecada mais e caem quando a arrecadação diminui. No Brasil, o teto de gastos é anticíclico, limitando os gastos quando a arrecadação aumenta e, por não ter válvulas de escape, é pró-cíclico em tempos de recessão, pois os gastos também diminuem quando a economia contrai.
A segunda diferença diz respeito ao crescimento. Com o teto de gastos, as despesas não poderiam crescer acima da inflação. No futuro quadro fiscal, os gastos sempre crescerão mais que a inflação. Em tempos de recessão ou baixo crescimento, crescerão menos, mas ainda acima do IPCA.
Definição
Neste feriado, os ministérios da Fazenda e do Planejamento estão definindo o período a ser levado em consideração para corrigir a receita. Inicialmente, as duas pastas haviam informado que o intervalo consideraria receita entre agosto do ano anterior e julho do ano corrente.
Porém, posteriormente, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, informou que o intervalo será entre julho do ano anterior e junho do ano corrente, para dar tempo ao governo de preparar o projeto orçamentário para o ano seguinte dentro do novo limites. O prazo de correção só será conhecido após o envio do texto final ao Congresso
Além do limite de gastos, o novo marco prevê metas de resultado primário que podem ser fixadas a cada quatro anos em cada mandato presidencial. Com margem de tolerância de 0,25 ponto percentual, mais ou menos, o governo prevê déficit primário de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, resultado zero em 2024 e superávit de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026. Caso o limite inferior da faixa não seja cumprido, haverá um mecanismo automático de punição, que reduzirá o crescimento de 70% para 50% da variação da receita no ano seguinte.