Agricultura familiar ajuda a aumentar produção de leite no Nordeste

Agricultura familiar ajuda a aumentar produção de leite no Nordeste

A produtora rural Rafaela da Silva Alves, 36 anos, tem uma pequena propriedade no povoado Maranduba, em Poço Redondo, no semiárido sergipano. “Temos cerca de 15 vacas leiteiras, alguns bezerros, algumas novilhas e um boi. Esse é o nosso rebanho hoje”, diz a pedagoga por formação. “Mas eu sou camponesa mesmo”, reforça. Seu pai era dono da terra. “Ele dividia com os quatro filhos, tenho um pouco menos de terra porque fiquei com a sede da propriedade”, conta.
No sertão do Nordeste, a agricultura familiar e os pequenos produtores vêm crescendo, principalmente na produção de leite. O produtor dessa região depende, em grande parte, da renda mensal do leite para sua sobrevivência.

Os desafios são muitos, diz Rafaela. “Temos grandes desafios, considerando que estamos no sertão, no semiárido. É o desafio de pensar sempre num inverno produtivo, ter comida suficiente para os animais, acesso à água de abastecimento, que é por cisterna, por isso temos cisternas e poço. O tamanho das terras dos pequenos produtores também é um dos problemas que enfrentamos para levar adiante essa pecuária leiteira”.

A produtora, que também é sócia e porta-voz da Movimento de Pequenos Agricultores, diz que outro desafio é a falta de incentivos para o avanço da produção. “Há uma carência enorme de programas e políticas públicas para pequenos produtores que possuem vacas leiteiras. No último período, não tínhamos acesso a nada”, lamenta.

Também falta suporte técnico. “Ainda coloco um acompanhamento técnico mais contextualizado a nível de desafios para esta realidade de pequenos e médios produtores que não têm tanta estrutura, tanta terra. O monitoramento seria importante para que haja melhoramento genético do rebanho e condições de tratamentos mais alternativos para pequenos produtores que sobrevivem de leite”.

Mesmo com tantos desafios, os dados mais recentes do IBGE mostram que o Nordeste teve crescimento na produção (12,8%) e atingiu a marca de 5,5 bilhões de litros. Os dados mais recentes referem-se a 2021 e fazem parte da Pesquisa Pecuária Municipal (PPM), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os investimentos no setor e as condições climáticas mais favoráveis ​​nos últimos anos fazem a região aumentar a produção pelo quinto ano consecutivo, informou a agência.

São Paulo SP) - No sertão do Nordeste brasileiro, a produtora rural Rafaela Alves fala sobre os desafios da pecuária leiteira.  Rafaela e sua filha Ana Luiza, na pequena fazenda de gado leiteiro em Sergipe.  Foto: Arquivo pessoal

São Paulo SP) – No sertão nordestino, a produtora rural Rafaela Alves fala sobre os desafios da pecuária leiteira. Rafaela e sua filha Ana Luiza, na pequena fazenda de gado leiteiro em Sergipe. Foto: Arquivo Pessoal – arquivo pessoal

Rafaela Alves espera que o clima favorável se mantenha no próximo inverno. “Nós, camponeses, esperamos um bom inverno, mas ao mesmo tempo estamos em dúvida por causa dos sinais que o tempo está dando. No ano passado tivemos um inverno muito melhor, talvez um dos melhores dos últimos 30 anos!” A produção esperada depende do clima, observa ela. “A expectativa que temos com a produção para o próximo período depende muito do inverno. É um grande desafio garantir o alimento do rebanho e, sem chuva, tudo isso fica muito mais complexo”, afirma.

Dados do IBGE, analisados ​​pela Embrapa Gado de Leite, indicaram queda na produção do Brasil no primeiro trimestre de 2022, em relação ao mesmo período de 2021, mas alguns estados do Nordeste apresentaram crescimento, sergipe está entre eles, sendo o segundo estado com maior crescimento na produção de leite.

Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a Região Nordeste é exceção na redução geral da produção de leite, registrando alta de 4,1% de 2021 a 2022, com destaque para o estado de Sergipe.

“Para a Conab, o aumento da produção do Nordeste, em especial de Sergipe, inclui fatores como melhoramento genético do rebanho, desenvolvimento da produção de palma forrageira para suplementação alimentar e redução de custos, mas lembrando que isso é para a produção em geral, não específica à agricultura familiar”, detalha Ernesto Galindo, diretor substituto do Departamento de Avaliação, Acompanhamento, Estudos e Informações Estratégicas do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).

Fatores

O presidente da Cooperativa dos Produtores de Leite de Alagoas (CPLA), Aldemar Monteiro, explica como a alimentação do rebanho com palma forrageira favorece a produção do Nordeste. “A palma forrageira é a base da alimentação do gado leiteiro do Nordeste, é plantada no semiárido e sobrevive a longas estiagens. É uma palma muito saborosa para o gado, que se alimenta dela misturada com silagem de milho, uma combinação muito boa para a pecuária da região, um caminho para o desenvolvimento da região”, afirmou Monteiro.

O presidente da CPLA informou que em Alagoas existem cerca de 39 mil pequenos agricultores familiares e 2 mil médios e grandes produtores. “Mesmo em uma região territorial pequena, é uma concentração muito grande de pequenos produtores”. A melhoria das condições meteorológicas também tem sido um fator positivo, acrescenta Monteiro.

“Acredito que o crescimento do Nordeste se deve à vocação do produtor, aliada às condições climáticas, boas para a produção de leite, pois é uma região quente durante o dia, mas fresca à noite, característica que foi fundamental para o desenvolvimento da cadeia produtiva em todo o Nordeste. Nos últimos três anos, saímos de uma seca muito forte, então essa melhora nas condições climáticas começou a trazer novos negócios para Alagoas e, principalmente, para Sergipe, que se destacou muito, favoreceu a silagem de milho e a produção de forragem palma”, completa.

A produtora Rafaela, de Sergipe, diz que alimenta seu rebanho com o dendê. “O rebanho come a palma da mão, com rolo ou silo. Para vacas leiteiras, adiciono ração concentrada: milho moído, soja, sementes e núcleo de leite”, detalha.

Fortificação

Monteiro explica outros fatores que fortalecem a produção leiteira. “Alagoas conseguiu isentar a cadeia produtiva do leite do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um incentivo fiscal muito grande para as indústrias do estado. Isso permitiu que eles vendessem sua produção. Ainda temos novas fábricas de Sergipe entrando em Alagoas, o que também é um fator importante”.

Segundo o presidente da CPLA, mais uma iniciativa vai incentivar a agricultura familiar no estado. “Estamos montando o primeiro secador de leite em pó para agricultura familiar, para atender esses 39 mil pequenos produtores do estado. O secador terá capacidade para 400 mil litros de leite por dia, o que cria boas condições para a região e facilita o escoamento”.

“Há várias causas para essa predominância, uma delas é o padrão histórico de ocupação com concentração fundiária e muitos minifúndios”, diz Ernesto Galindo, do MDA. Segundo ele, os incentivos federais foram reforçados nos anos anteriores, “apesar do enfraquecimento das políticas nos últimos anos, algo que atualmente está sendo retomado”.

Quanto aos incentivos, Galindo diz que as políticas de reforma agrária existem há décadas, reforçadas nos últimos 30 anos com as políticas de crédito fundiário. “Políticas de crédito produtivo específicas para o setor surgiram no final da década de 1990, políticas de assistência técnica, acompanhadas ou não de fomento, já atingiram centenas de milhares de agricultores. Além disso, há também apólices de garantia de preços, garantia de safra, seguro de produção agrícola e mais recentemente, a partir dos anos 2000, compras públicas. Muitas delas estão concentradas em números no Nordeste, mas com concentração histórica de valores no Sul do país”, detalha.

característica regional

“A predominância da agricultura familiar e de pequenos produtores no sertão se deve ao fato de o sertanejo ter experiência em conviver com a seca e fincar raízes no campo para sobreviver”, observa o professor João Batista Barbosa, do Instituto Federal de Sergipe Campus Glória (IFS), na área de Lácteos/Alimentos.

No Nordeste, a produção de leite é influenciada pelas condições climáticas, pela economia de cada estado, pelo tipo de alimentação disponível para os animais, entre outros fatores, diz Barbosa. “Vale ressaltar que no Semiárido nordestino a produção de leite é prejudicada pela estiagem. Nas estações de primavera e verão, as temperaturas são altas e a falta de chuva dificulta a produção de leite”, explica.

Segundo dados da Pesquisa do Leite do 4º trimestre do IBGE, a produção de leite fiscalizada no Nordeste se destaca nos estados do Ceará, Pernambuco, Sergipe e Bahia. “Esse fato pode ser explicado pela implantação e melhoria das indústrias presentes em cada região”, diz o professor.

Na visão do veterinário George Pires Martins, o crescimento se deve ao aumento do processamento do leite. “As indústrias estão crescendo e abrindo novas empresas, e a produção de alimentos, principalmente na região de Sergipe, que desponta como forte produtora de grãos, acaba barateando o leite”.

Para ele, o crescimento tecnológico também é um fator de destaque. “É uma região que tem muita laticínios, e agora as tecnologias estão começando a chegar, alguns produtores já possuem sistemas que produzem um volume maior de leite e isso rentabiliza mais”, diz Pires, que também é consultor de laticínios com conhecimento técnico na área. Nordeste e criador do canal Leite e Derivadosem que fala sobre a cadeia produtiva do leite.

A consultora acerta com a produtora Rafaela Alves quanto ao suporte técnico. “Não temos uma política de assistência técnica rural voltada para pequenos produtores. Acredito que essa atividade é muito mais forte pela cultura da região do que por incentivos ou resultados financeiros como um todo. Então, vem muito mais da cultura da região, de quem está morando no meio rural, esse pequeno produtor acaba fazendo a diferença no volume geral produzido aqui no Nordeste”, destaca Martins.

Ele e outros especialistas do setor lácteo, como produtores de leite, cooperativas e profissionais se reunirão nos dias 11 e 12 de maio em Garanhuns, Pernambuco, para o Experiência do Leite, evento para discutir temas relacionados ao setor lácteo e práticas inovadoras. De acordo com Perspectivas Agrícolas 2022-2031, De acordo com um relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), espera-se que os laticínios sejam o setor pecuário de crescimento mais rápido na próxima década, com previsão de aumento de 23% na oferta global de leite.

Foto de © Arquivo pessoal
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