Aumento da arrecadação é o principal desafio do novo quadro fiscal

Aumento da arrecadação é o principal desafio do novo quadro fiscal

Anunciado pelo governo como uma ferramenta que estabilizará as contas públicas no médio prazo, o novo quadro fiscal tem como principal âncora a limitação do crescimento das despesas a serem 70% da variação da receita nos 12 meses anteriores. Embora tenha sido bem recebido pelo mercado financeiro, o futuro quadro fiscal gera dúvidas em alguns economistas.
A principal questão, para os especialistas ouvidos pelo Agência Brasildiz respeito ao ganho de receita necessário para o país superar um déficit primário – resultado negativo nas contas do governo sem juros sobre a dívida pública – de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano para superávit de 1% do PIB em 2026. Outro ponto que está em dúvida é a capacidade da regra de ser anticíclica – com gastos maiores em momentos de recessão e gastos menores em momentos de crescimento – e amortecendo os impactos de choques econômicos.

Diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão consultivo do Senado que realiza estudos econômicos, Vilma Pinto manifesta incertezas em relação ao novo quadro. Em comentário publicado em blogue da revista Cenário Econômicodo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), ela e o analista do IFI Alexandre de Andrade ressaltaram que o texto do projeto ainda precisa ser conhecido.

Os dois alertaram que, conforme apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a geração de superávits primários está condicionada ao crescimento da arrecadação, sem buscar alterar o atual patamar de gastos. “Esse tipo de mecanismo pode estimular a busca por mais receitas não recorrentes (como renegociações de dívidas dos contribuintes), que podem melhorar a situação de curto prazo, mas que não garantem necessariamente uma trajetória sustentável do primário e da dívida” , escreveu o diretor e analista do IFI.

Economista e professora de MBA da FGV, Carla Beni elogia o novo arcabouço fiscal e diz que as análises sobre a dependência do arcabouço na geração de receitas são apressadas. “O framework, como carta de intenções, foi bem elaborado. Tem uma característica muito importante, que é a flexibilidade, porque a economia é muito dinâmica. Então, quanto mais flexível, mais longo ele se torna. E achei ousado, no sentido de que pretende fazer uma redução muito grande do nosso déficit fiscal”, avalia.

O professor, porém, reconhece que tamanha ousadia exigirá ações adicionais do governo para estabilizar a dívida pública. O professor cita medidas como rever gastos públicos para definir o que é mais eficiente; a definição de prioridades no futuro Plano Plurianual (PPA), a ser encaminhado pelo Ministério do Planejamento em agosto; e reformas tributárias que abrangem impostos sobre dividendos e ações, revisam incentivos fiscais e tributam novos setores, como apostas esportivas. Ao apresentar o quadro, o ministro Haddad anunciou que o governo pretende anunciar, nesta semana, novas medidas para reforçar a arrecadação em R$ 150 bilhões, sem aumentar taxas ou criar impostos.

ciclos econômicos

O alinhamento do novo quadro aos ciclos econômicos também é alvo de dúvidas. Por estar atrelado à receita, o limite de 70% de crescimento do gasto federal é pró-cíclico, com o gasto crescendo quando a receita aumenta e caindo quando ela diminui. É um sistema semelhante ao do superávit primário, que vigora desde o final da década de 1990. Nesse modelo, embora o governo poupe mais quando a economia cresce e menos quando ela retrai, os gastos aumentam e diminuem na mesma direção.

Apesar do viés pró-cíclico, a regra introduziu um mecanismo que pode ser considerado anticíclico. O limite de 70% só é válido dentro de uma faixa em que os gastos reais (acima da inflação) aumentam 0,6% ao ano, no caso de baixo crescimento econômico, e 2,5% ao ano, no caso de expansão significativa do PIB.

Para exemplificar, quando a economia cresce 5% em um ano, as despesas não podem crescer 3,5% (equivalente a 70% de 5%), mas 2,5% acima da inflação no ano seguinte. Em tempos de recessão, quando o crescimento do PIB é negativo, os gastos não contraem, continuando a crescer no limite mínimo de 0,6% acima da inflação.

Especialista em desigualdade social, o economista e sociólogo Marcelo Medeiros, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Universidade de Brasília (UnB), diz que o novo quadro não é anticíclico na prática. “Idealmente, uma regra fiscal deveria ter mecanismos para expandir a rede de segurança social, se necessário, principalmente em caso de recessão. Porque o que aconteceu, na última grande recessão, é que o Bolsa Família encolheu, ao invés de expandir, justamente porque estava preso a uma regra pró-cíclica.

investimentos

Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o economista Eduardo Costa Pinto critica a capacidade do novo quadro fiscal de destravar os investimentos, mesmo com as novas regras estabelecendo um piso. “Quais seriam os motores para puxar a economia neste momento de desaceleração, como o PIB já mostrou? Ou gastos do governo, ou investimento público? É evidente que a nova regra é melhor que o teto de gastos, dá um certo grau de flexibilização, mas não acho que teremos uma força, uma tração, para a regra permitir um aumento de gastos e investimento público puxar a economia brasileira”, diz.

Para Vilma Pinto e Alexandre de Andrade, do IFI, o limite mínimo de investimento de cerca de R$ 75 bilhões, que será corrigido pela inflação ano após ano, tornará o Orçamento ainda mais inflexível, fazendo com que o governo tenha que cortar em outros áreas, incluindo gastos obrigatórios. “Apesar da boa intenção de preservar os investimentos, a regra aumenta ainda mais o grau de rigidez orçamentária da União”, escreveram os dois no blogue da FGV.

Respostas

Ao explicar o novo quadro fiscal na última quinta-feira (30), o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, disse que uma possível queda na arrecadação pode adiar a estabilização da dívida pública. No entanto, destacou o secretário, a despesa continuará crescendo menos que a receita em quase todos os cenários, exceto em uma eventual recessão que cause queda na receita.

“A pergunta recorrente que você fará é: ‘E se a receita não entrar?’ O que já reiteramos é que, independentemente do comportamento das receitas, as despesas crescerão menos que as receitas. Obviamente, quanto mais rápido conseguirmos recuperar as bases de financiamento, mais rápido alcançaremos os resultados primários necessários para estabilizar a dívida (pública). Esse é o objetivo de todos, e entendo também que é o objetivo dos parlamentares com quem o ministro tem conversado”, rebateu Mello.

Sobre o limite mínimo de 0,6% de crescimento real (acima da inflação) das despesas em épocas de baixo crescimento econômico, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, explicou que o percentual foi definido com base na taxa média de crescimento da população. “Com esse índice, podemos garantir que os gastos per capita são mantidas em tempos de recessão. Ninguém perderá o acesso a programas sociais básicos em tempos de crise, como aconteceu recentemente com a Farmácia Popular”, explicou.

Ao anunciar as medidas, o ministro Haddad reiterou que os percentuais de 0,6% e 2,5% de crescimento são suficientes para dar caráter anticíclico ao novo quadro. Segundo ele, o limite mínimo de 0,6% visa evitar que, em caso de novas recessões, o governo tenha que recorrer ao Congresso para mudar as regras fiscais, como nos últimos anos.

“Caso haja uma retração na parte baixa do ciclo (recessão), resolvemos incorporar o que era exceção dentro do teto de gastos à nova regra, para trazer excepcionalidades, exceto aquelas previstas na Constituição (como estados de calamidade), na regra o que é uma espécie de crescimento vegetativo devido ao que aconteceu desde a promulgação do teto de gastos”, afirmou.

*Colaboração de Pedro Lacerda

Foto de © José Cruz/Agência Brasil
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