Descontos de carros não devem resolver estoques de montadoras
Com a aproximação do fim dos recursos inicialmente previstos, o programa do governo federal de incentivo à compra de veículos terá uma expansão, o que também deve atender às demandas das locadoras do setor. apesar do medida foi confirmada nesta quarta-feira (28), o coordenador de cursos automotivos da Fundação Getulio Vargas (FGV), Antonio Jorge Martins, afirma que o foco do programa é o curto prazo e pode não resolver os estoques acúmulo de carros.
O especialista explica que um dos motivos pelos quais os pátios das montadoras e das concessionárias estão lotados é a diminuição do poder de compra dos brasileiros ao longo dos anos e o paralelo avanço da tecnologia automotiva, com o consequente aumento dos preços dos produtos.
Enquanto os veículos ganhavam cada vez mais artefatos tecnológicos, os preços subiam e a parcela da população apta a comprá-los diminuía, pois os salários, mesmo com reajustes, não acompanhavam os altos valores deixados nas concessionárias. Essa tendência de aprimoramento tecnológico acompanhada de preços mais altos não é exclusividade do mundo dos veículos, diz Martins.
“Em relação ao mercado brasileiro, por exemplo, televisores. À medida que aumentam seu poder tecnológico, tornam-se cada vez mais caros”, diz o especialista. “Existe, hoje, uma diferença entre o que as pessoas podem comprar e o que está sendo oferecido. Então, por que não são mais chamados de carros populares? Porque os carros populares que existiam nos anos 90 eram carros desprovidos de segurança e conectividade. Era outro tipo de produto, que hoje não existe mais”, aponta o especialista.
“Houve também uma mudança no próprio perfil de consumo da sociedade. Um exemplo prático: se oferecermos aquele celular de tijolo, dificilmente teremos compradores. A realidade do mercado hoje é que, realmente, todo mundo tende a almejar o que tem mais tecnologia e, no caso do veículo, isso também está presente”, acrescenta.
Martins, que entende que questões estruturais exigem soluções mais complexas, também aponta que não foi só no Brasil que houve aumento significativo de preços, com a pandemia de covid-19. As contratações, explica o coordenador da FGV, foram uma forma de o setor enfrentar “novos desafios”.
“Na verdade, houve uma disrupção total do setor automotivo, entre a forma como funcionou nos últimos 100 anos e como passou a funcionar a partir dos anos 2000. Qual é a grande diferença? Tenho um grande número de empresas que têm de fato uma cultura analógica e outra que, em geral, nasceu sob a ótica digital. Quem nasceu sob a ótica digital tem muitas dificuldades culturais para se adaptar a uma nova realidade de mercado, que é o fato de que, hoje, o setor o torna muito mais dinâmico do que há 100 anos ou do que foi. Esse dinamismo se deve principalmente à constante inovação da tecnologia. Produtos que realmente exigem tecnologia crescem de preço”, argumenta o educador.
“Isso está bem localizado em cima de algumas montadoras, que estavam efetivamente focadas em volume de produção e não na venda de produtos com maior conteúdo tecnológico e que efetivamente apresentam maior rentabilidade, mas menor volume”, esclarece, acrescentando que a condição que o comprador de caminhão deixa um para desmontar, ao adquirir um novo, por meio de um programa, pode ser um empecilho.
O que ficou estabelecido é que, na compra de carros, os descontos vão variar de R$ 2.000 a R$ 8.000. No caso de ônibus e caminhões, o desconto ficará entre R$ 36 mil e R$ 99 mil. Tudo vai depender do tamanho do veículo e do grau de poluição.
locadoras
Em entrevista com Agência Brasil, o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Locação de Veículos (Abla), Marco Aurélio Nazaré, elogiou a iniciativa do governo, mas fez algumas ressalvas. Ele reafirmou o que a entidade já havia defendido em nota no dia 9, a respeito da ordem da fila do programa, com priorização das vendas para pessoas físicas, a princípio. O acesso a descontos posteriores foi, portanto, um dos alvos das críticas da entidade, que também considerou baixo o teto de R$ 500 milhões. Nazaré, porém, aprovou o anúncio da expansão do aporte, que imagina que permitirá aquisições a locadoras.
Segundo levantamento divulgado pela Abla, no final de março, as locadoras representavam 30,1% das compras em 2022. A proporção equivale a 590.520 unidades. O investimento na frota foi de R$ 55,2 bilhões e o valor médio gasto por veículo foi de R$ 93,6 mil.
“O que tentamos dizer no comunicado é que o que seria vendido para pessoa física é menor do que o que a pessoa jurídica compra. Conclusão: conforme o programa foi anunciado, paralisamos as compras, esperando uma oportunidade de compra”, diz.
O presidente da Abla diz ainda que o cenário conjuntural explica muito do que acontece hoje no setor. “Temos um endividamento muito alto da classe C para baixo, perda de poder de compra, incapacidade de absorver as parcelas do financiamento, além de uma taxa de juros extremamente alta. Porque um carro financiado em 36 vezes dobra o preço”, diz. .
Assim, é impossível absorver a parcela no orçamento, mesmo que ela faça parte do valor do carro, mesmo que seja dada uma entrada para a compra de um carro por pessoa física. Tanto que foi a classe média que comprou os carros que foram alocados nesse programa de governo e não a classe que, de fato, deveria comprar e que é o que o governo gostaria que eles comprassem”, finaliza.