Desenrola Brasil pode reduzir inadimplência no país em até 40%

Desenrola Brasil pode reduzir inadimplência no país em até 40%
Desenrola Brasil pode reduzir inadimplência no país em até 40%

Márcia Ribeiro não vê a hora de limpar o nome. A auxiliar de serviços gerais, de 55 anos, está há vários anos endividada com cartões de crédito e cartões de crédito em lojas e, com o nome negativado em cadastros de inadimplência, não consegue comprar diversos itens necessários para sua casa.
“É muito ruim a pessoa querer comprar alguma coisa e não conseguir porque está com uma dívida atrasada. Eu queria comprar algumas coisas para minha casa, que preciso e não posso comprar por causa dessas dívidas: um armário, um fogão. Agora, eu tinha uma dívida com uma televisão e um guarda-roupa, mas era no cartão de crédito do meu irmão. Se eu tivesse pago minhas contas, teria comprado no cartão”, revela.

Márcia espera poder participar do Desenrola Brasil, Programa Emergencial de Renegociação de Dívidas para Pessoa Física Inadimplente, lançado nesta terça-feira (06) pelo governo federal, em Brasília. “Será um adiantamento para mim, porque vou quitar minhas dívidas e poderei comprar minhas coisas que quero comprar para minha casa”, diz.

A Medida Provisória (MP) 1.176/2023, que institui o programa, foi publicada no Diário Oficial da União nesta terça-feira (6) e entra em vigor imediatamente. Mas, para virar lei, precisará ser votada e aprovada pelo Congresso Nacional em até 90 dias.

A Desenrola Brasil pretende juntar devedores e credores para que a dívida seja renegociada e a situação de inadimplência seja encerrada. Serão duas faixas. Na primeira, pessoas que ganham até dois salários mínimos ou que estão inscritas no Cadastro Único do governo federal (CadÚnico) – e que estavam negativadas até 31 de dezembro de 2022 – poderão quitar dívidas de até R$ 5 mil .

Prazo

O pagamento pode ser feito à vista ou parcelado. dentro de 60 meses, com desconto e juros menores. O dinheiro para pagar as dívidas pode ser obtido por meio de um empréstimo de uma instituição financeira, que pode ser garantido pelo Fundo Garantidor das Operações (FGO) do Governo Federal.

A segunda faixa, segundo o Ministério das Finanças, destina-se apenas a pessoas com dívidas ao banco, que pode oferecer aos seus clientes a possibilidade de renegociar diretamente. Essas operações não serão garantidas pelo Fundo FGO.

De acordo com o Ministério da Fazenda, o programa funcionará por meio de leilão reverso entre credores, organizado por categoria de crédito, onde quem oferecer mais desconto será incluído no programa, apresentará a dívida com desconto para renegociar com pessoa física e terá a garantia de sua dívida será paga.

Quem oferecer menos desconto ficará de fora do programa. Portanto, é possível que o devedor não encontre todas as suas dívidas para renegociar no Desenrola.

especialistas

O diretor de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Henrique Lian, considera o programa “extremamente relevante no atual contexto de superendividamento de parcela significativa da população brasileira”.

Para a economista Carla Beni, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a medida é importante para que as pessoas com menor renda possam “voltar a respirar e até poder voltar a consumir”. afeta até a saúde mental”, diz.

Ela acredita que o programa pode reduzir em até 40% a inadimplência no país, que atinge hoje 66,08 milhões de pessoas, ou 40,6% dos brasileiros adultos, segundo dados divulgados em maio pela Confederação Nacional dos Lojistas (CNDL) e pela Agência de Crédito Serviço de Proteção (SPC Brasil). Carla ressalta, porém, que será importante pensar em campanhas para garantir a adesão dos devedores ao programa.

“Você vai precisar de orientação e muita divulgação, porque vai precisar de um celular e tudo será feito on-line. É necessário aguardar os próximos passos para ver como o aplicativo será utilizado, como será inserido na plataforma e como será fácil aderir. Como temos uma experiência com o Pix e o Brasil teve uma adesão espetacular, acredito que temos não só uma condição técnica e tecnológica, mas também a adesão da própria população (ao novo programa). Ela já está acostumada a usar o celular”, destaca.

Consumo

Izis Ferreira, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), acredita que o programa pode impulsionar o consumo das famílias brasileiras.

“O crédito funciona hoje como um importante condicionante do consumo, não só para produtos que precisam de prazo de pagamento, com maior valor agregado, mas também para produtos e serviços cotidianos e de consumo imediato. Então, o crédito hoje é um suporte para o consumo de necessidades básicas e produtos de maior valor agregado”, aponta.

Em nota, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) informou que o programa está em linha com as negociações feitas nos últimos meses entre a instituição e o governo federal.

“Quando entrar em operação, os bancos darão sua contribuição para que o Desenrola reduza o número de consumidores negativados e ajude milhões de cidadãos a reduzir suas dívidas”, diz nota da Febraban.

Para Ione Amorim, coordenadora de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a urgência com que o Desenrola Brasil foi lançado é importante, mas faltou um pouco mais de diálogo com a sociedade civil. E então há algumas dúvidas sobre o programa.

Ela questiona, por exemplo, como os consumidores que recorrerem ao Desenrola Brasil serão tratados pela instituição financeira no futuro. “Hoje, quando a gente tem um desconto muito grande (no banco), esse consumidor fica restrito dentro daquela instituição, se vai tentar um crédito de novo”, opina.

Movimentação do comércio nas lojas da SAARA (Sociedade dos Amigos da Adjacência na Rua da Alfândega), centro da cidade.

Redução da inadimplência deve aumentar a movimentação do comércio – Tânia Rêgo/Agência Brasil

Além disso, Ione chama a atenção para as dívidas que já venceram e que não devem mais ser cobradas, mas que podem entrar no Desenrola. “Quem vai fazer essa análise?”, ela a questiona.

descontos

Outro ponto destacado por ela é sobre o valor dos descontos. “Essa população de baixa renda é extremamente assediada por empresas que oferecem crédito extremamente predatório (com juros altíssimos). Então, qual é o valor desses contratos que serão objeto desse acordo? O valor total já incluindo juros abusivos? Quando você fala em desconto, e não tem parâmetro, qual é o benchmark?”, questiona.

Além do programa, uma preocupação de Ione se refere às dívidas futuras que podem envolver novamente o consumidor após o encerramento do programa, em dezembro deste ano.

“Esse consumidor, sem nenhum preparo, que foi assediado (para fazer crédito), continua refém dos mesmos tipos de abordagem. É muito provável que parte desse público, até dezembro, que é o limite desse programa, esteja novamente endividado. Uma parcela muito grande desse segmento, que ganha até dois salários mínimos, são aposentados e pensionistas, que estão muito expostos à questão do crédito consignado”, alerta Ione.

Ione disse esperar que a regulamentação a ser feita pelo Ministério da Fazenda e a apreciação do assunto pelo Congresso Nacional abram espaço para mais diálogo com as entidades de defesa do consumidor.

Henrique Lian, da Proteste, disse acreditar que o programa poderá ser complementado no futuro “com ações de caráter normativo e educativo com vista a prevenir a insolvência recorrente”.

A preocupação é a mesma de Izis Ferreira. Para ela, se não houver um programa de educação financeira para as famílias, há o risco de a inadimplência continuar sendo um problema cíclico no país, com períodos de melhora e outros de piora.

Segundo o CNC, em maio deste ano, o número de pessoas com dívidas há mais de 90 dias representava 45,7% dos inadimplentes. Essa é a maior taxa para um mês em três anos e vem crescendo desde dezembro de 2022 (43,9%).

“O crédito ganhou relevância no pós-pandemia como condição para o consumo. As pessoas estão concentrando muitos gastos em seus cartões de crédito. Diante desse contexto, a preocupação que temos que ter é: vamos resgatar esse consumidor da inadimplência, mas depois ele vai entender que precisa ter um pouco mais de cautela, programação e planejamento na hora de usar o crédito? Ao mesmo tempo em que o credor realiza a renegociação, ele deve estimular intensamente a consciência financeira desse consumidor. Caso contrário, continuaremos vendo esse ciclo de inadimplência”, diz o economista.

Antes da edição da MP do Desenrola Brasil, o CNC estimava que o percentual de famílias com dívidas há mais de 90 dias cairia apenas no final do dia, fechando 2023 em 44,5%. Com o lançamento do programa, porém, a confederação fará uma nova previsão.

padrão

Segundo Izis Ferreira, apesar do programa ser mais voltado para o público de baixa renda, a inadimplência também cresceu na classe média. Por isso, para ela, seria importante incentivar a renegociação de dívidas também dessa faixa de renda.

Para quem tem dificuldade em manter o orçamento sob controle, a economista Carla Beni tem duas dicas: a primeira é conversar com todos os familiares para entender quanto pode ser gasto sem comprometer a renda. A segunda é anotar – em uma planilha de computador ou mesmo em uma folha de papel – todas as contas que precisam ser pagas.

“As pessoas deveriam conversar mais com suas famílias sobre suas contas a pagar e suas dívidas”, explica Carla. “E também faça uma lista de contas a pagar. Um simples papel com caneta ajuda muito a colocar – nos próximos meses – todas as contas que aquela família tem para pagar e que já estão comprometidas. Isso pode até ser colocado na porta da geladeira. Isso faz com que toda a família caminhe na mesma direção, pois a redução das dívidas traz alívio, conforto e qualidade de vida para todos da casa”.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse, nesta terça-feira (6), que o Desenrola terá um educação financeira. Na segunda-feira (5), Haddad havia dito que o programa deveria entrar em vigor em julho.

Foto de © Marcello Casal JrAgência Brasil
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