Efetividade do piso salarial da enfermagem ainda enfrenta resistência

Efetividade do piso salarial da enfermagem ainda enfrenta resistência
Efetividade do piso salarial da enfermagem ainda enfrenta resistência

Profissionais de enfermagem enfrentam resistência à efetivação do piso salarial, após o Supremo Tribunal Federal (STF) divulgar, no último dia 15, a pagamento. O argumento das entidades patronais e dos municípios é de falta de recursos que, consequentemente, geraria desemprego para o segmento profissional.
No entanto, para a economista Marilane Teixeira, professora e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit), vinculado ao Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o estabelecimento de pisos salariais traz avanços notáveis, pois leva a valorização das ocupações e melhora o rendimento do trabalho. ficou muito evidente na pandemia, as pessoas foram fundamentais e estiveram entre os profissionais que mais perderam a vida, justamente cuidando da vida de outras pessoas”, avaliou.

“Atingimos, tanto no caso do piso da enfermagem quanto nas demais categorias, um certo patamar em relação ao que é um valor, um preço justo, para a mão de obra a partir do reconhecimento de que é um trabalho essencial e necessário . No caso da enfermagem, ficou muito evidente na pandemia, as pessoas foram fundamentais e foram os profissionais que mais perderam a vida, justamente cuidando da vida de outras pessoas”, avaliou.

A liberação do pagamento foi feita pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF. No entanto, o ministro entendeu que estados e municípios devem pagar o piso nacional da enfermagem dentro dos limites dos valores que recebem do governo federal. Para os profissionais do setor privado, está prevista a possibilidade de negociação coletiva.

A decisão do ministro foi proferida após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionar a abertura de crédito especial de R$ 7,3 bilhões para o pagamento do piso. A medida foi publicada nesta sexta-feira (12), Dia Internacional da Enfermagem.

Historicamente, os empregadores tendem a resistir a pagar um dos salários mínimos. “Essa pressão dos empregadores é histórica. Estamos a falar da relação entre capital e trabalho, pelo que tudo o que implique uma melhoria em termos de remuneração salarial vai sempre encontrar alguma resistência por parte da outra parte em termos de cumprimento das condições”, disse.

“As categorias mais organizadas, mais estruturadas foram mesmo as que mais inovaram nesse sentido, porque como tinham mais poder de negociação, também impuseram pisos salariais com valores relativamente superiores ao que se pratica a nível salarial. mínimo”, disse, acrescentando que o salário mínimo é uma referência importante, principalmente para categorias que não são tão organizadas.

A pesquisadora aponta que existem categorias formadas predominantemente por mulheres, como é o caso da enfermagem, o que leva a uma maior dificuldade de reconhecimento social do valor e função dessas profissões. “É uma ideia de que ‘enfermeira é cuidadora’, então é uma função que a mulher já nasce sabendo e não precisa de muito treinamento para desempenhar algo que é inato. Então, por que pagar altos salários por um trabalho que eles nasceram sabendo fazer? Mas não é verdade, é uma área fundamental”, acrescentou.

Desemprego

A pesquisadora afirmou ainda que não há evidências que demonstrem que a conquista de salários mínimos esteja relacionada ao desemprego, à extinção ou à redução da demanda por determinado tipo de ocupação. “Essa é uma pressão daqueles que obviamente resistem, sempre resistiram a qualquer avanço em termos de direitos, porque não é só no chão, também se manifesta em outros direitos. Cada vez que você avança um determinado direito, sempre há a pressão de que isso vai gerar desemprego”, afirmou.

Segundo ela, o que vai determinar a geração do desemprego em uma categoria é a avaliação de que determinada ocupação perdeu o sentido do ponto de vista social e, por isso, vem se ressignificando e criando outras funções com empregos semelhantes que podem substitua-o. “Depende da demanda e não necessariamente da remuneração”, disse ela.

Valentia

O novo piso para enfermeiros contratados no regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é de R$ 4.750, conforme definido pela Lei nº 14.434. Os técnicos de enfermagem recebem no mínimo 70% desse valor (R$ 3.325) e os auxiliares e parteiras, 50% (R$ 2.375). O piso se aplica a trabalhadores dos setores público e privado.

Dados do Conselho Federal de Enfermagem contabilizam mais de 2,8 milhões de profissionais do setor no país, sendo 693,4 mil enfermeiros, 450 mil auxiliares de enfermagem e 1,66 milhão de técnicos de enfermagem, além de cerca de 60 mil parteiras.

empregadores

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) considera a medida uma “ilusão”. Em nota, a entidade afirmou que “o valor sancionado não paga um terço do piso dos profissionais de saúde que atuam nos municípios. Além disso, trata-se de recurso apenas para 2023, não permanente para custeio contínuo, não traz regulamentação sobre a forma de distribuição e repasse, destinando-se apenas aos profissionais da atenção especializada, deixando de fora os profissionais da atenção básica, como os que atendem o Estratégia de Saúde da Família”.

Dados da confederação mostram que os municípios possuem mais de 589 mil vagas de enfermagem em seus quadros. Segundo estimativa da entidade, o impacto do piso nos municípios será de R$ 10,5 bilhões neste ano. “No entanto, a Lei 14.581/2023 limitou-se a destinar R$ 3,3 bilhões aos entes locais, apesar de ser a esfera municipal que absorve maior impacto financeiro com a instituição do piso”, diz a nota. Ainda segundo a entidade, com a vigência da medida, há risco de desligamento de mais de 32.500 profissionais de enfermagem.

A Federação Brasileira de Hospitais (FBH) informou que lamenta a decisão de Barroso. “A decisão veio sem que fossem apresentadas, conforme solicitado por liminar do próprio ministro, soluções para minimizar o impacto dos custos com o reajuste na rede privada”, afirmou, em nota. A entidade aponta que o Projeto de Lei assinado pelo presidente Lula é destinado apenas aos hospitais públicos, o que não resolve o impacto na rede privada, estimado pela FBH em mais de R$ 7 bilhões anuais.

A entidade acrescenta que, embora São Paulo, Minas e Rio representem 48% do total de profissionais de enfermagem, será o Nordeste o mais impactado. “A região com mais estados do país terá que arcar com um aumento de 40% nos custos, já que 84% dos profissionais da categoria ganham abaixo do piso estipulado. Estados como Maranhão e Pernambuco chegam a ter 90% dos contratos abaixo do piso estipulado.”

O presidente da FBH, Adelvânio Francisco Morato teme pelos 4,2 mil estabelecimentos filiados, principalmente os pequenos e médios, que representam 70% do total. Estima-se que haverá redução de 30% no quadro de enfermagem em hospitais com até 100 leitos.

“O governo, em nenhum momento, demonstrou preocupação em estabelecer fontes de financiamento. Com isso, centenas de hospitais fecharão as portas, e o país registrará aumento do desemprego, além da precariedade de acesso aos serviços de saúde no interior”, avaliou Morato. Segundo ele, a rede privada responde por 62% dos cerca de 1,3 milhão de profissionais de enfermagem do país, e 71% dos pequenos estabelecimentos estão fora das capitais.

Trabalhadores

Para o conselheiro do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), Daniel Menezes de Souza, a liberação da palavra pelo STF “representa a concretização do que sempre defendemos, que a palavra é constitucional, que há recursos para o financiamento da saúde pública setor e que se concretiza como um passo na conquista do reconhecimento social da nossa profissão”.

Sobre a falta de recursos para pagar o piso, ele explicou que durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional as equipes técnicas utilizaram dados oficiais, com estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), calcular o impacto financeiro do valor necessário para concluir o que faltava para atingir o piso equivalente.

“Esses valores foram liberados pela União, então não há justificativa para que o pagamento não ocorra. Para os particulares, o piso também deve ser pago, porém a partir de 1º de julho. Quanto à negociação coletiva, entendemos que faz parte dos direitos mínimos já garantidos na proteção do trabalhador, e o valor estabelecido por lei que cria piso é uma dessas garantias”, afirmou. Para cada ano, os valores devem constar da lei que estabelece as prioridades do Orçamento da União – a LDO, que é aprovada anualmente.

Menezes destaca que o argumento das demissões era usado quando não havia fonte de financiamento definida e que esses empregos são essenciais para garantir a produtividade nesses serviços. “Entendemos que, com a criação do fundo previsto na Emenda Constitucional 127 e a consequente disponibilização de recursos no Orçamento da União e confirmação dos repasses pelo Ministério da Saúde, não há justificativa para a manutenção desse discurso.” Ele afirma ainda que, para a iniciativa privada com fins lucrativos, o pagamento do piso representa, em média, menos de 5% de seu faturamento.

O presidente do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP), James Francisco dos Santos, considerou a medida “um grande alívio e uma grande justiça”, enfatizando que o salário mínimo é um direito pelo qual a categoria luta há décadas.

“O piso salarial da enfermagem não é novidade e todo o movimento, apesar de iniciativas em contrário, denotava que seria aprovado. É um justo reconhecimento ao trabalho realizado pela maior força de trabalho da saúde brasileira e sempre contou com grande apoio popular. Portanto, a gestão das unidades de saúde pode ser feita de forma a reorganizar suas finanças e direcionar o investimento necessário para cumprir o piso salarial”, avaliou Santos.

Sobre o risco de demissões, apontado pelo setor patronal, ele afirma que a enfermagem é uma das profissões mais promissoras para a saúde, que sua presença é fundamental nas instituições, e um corte de profissionais na área representaria uma ameaça à qualidade dos cuidados prestados. . “No caso de negociações coletivas por instituições privadas, o que esperamos é que os valores previstos na Lei nº 14.434 sejam respeitados, pois são fruto de extensas negociações que foram realizadas ao longo dos anos também com representantes do setor privado”, destacou.

Foto de © Pedro Ventura/Agência Brasília/Divulgaçāo.
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