Produção sustentável de alimentos depende de reforma agrária, diz MST
Uma produção diversificada de alimentos orgânicos e agroecológicos, fruto de um manejo sustentável tanto para o produtor quanto para o meio ambiente, começa na luta pela ocupação da terra.
A 4ª Feira Nacional de Reforma Agrária do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), realizada no Parque da Água Branca, em São Paulo, de hoje (11) a domingo (14), conta com mais de quinhentas toneladas de alimentos, com 1.500 itens de produtos vendidos por mais de 1.200 fornecedores. Desse valor, 25 toneladas serão doadas em uma ação solidária.
Para Ceres Hadich, da coordenação nacional do MST, “a feira traz muito dessa intenção de mostrar a totalidade da reforma agrária e como chegamos a esse alimento saudável produzido. O início dessa luta se dá na ocupação da terra, esse é o vínculo que também queremos trazer para dentro da feira. Para esse alimento poder chegar aqui, poder chegar às massas e cumprir efetivamente a função social, precisamos olhar para trás para ver de onde veio aquela primeira luta, e a luta se dá na luta pela terra, na a luta pela ocupação”.
Ele acrescenta que, dentro da proposta de reforma agrária popular, o objetivo é demonstrar que é possível produzir alimentos sem agrotóxicos, de forma agroecológica, com relações justas de trabalho entre produtores e natureza. No entanto, enfatiza a necessidade de políticas públicas e a intenção de produzir cooperativamente para que os alimentos cheguem a todas as pessoas de forma viável, a um preço justo.
Ceres considera que o MST é resultado de um processo de redemocratização do Brasil ocorrido há quatro décadas. “Fomos nos fortalecendo e descobrindo com o nosso Brasil recente como fazer a luta democrática, que é a luta pela reforma agrária, uma luta constitucional, uma luta legítima, ainda que a questão agrária já tenha mais de cinco séculos de história. , como uma grande dívida que temos com o povo brasileiro”.
Em seguida, destaca a importância da realização da feira no contexto político recente, em que é possível voltar a dialogar, debater e problematizar as questões do movimento.
“Nos últimos anos, sofremos com sua ausência (democracia). Nos últimos anos, para nós da classe trabalhadora, não só os sem-terra, não só os camponeses que estavam no campo sofrendo com a ausência de políticas públicas, de políticas de estado, sofrendo com a ausência do estado, com a negação da ciência, das possibilidades de construirmos um Brasil sério e digno, vivemos anos muito sombrios para a nossa sociedade, para o nosso povo, de grande desesperança e falta de horizontes”, explica.
Diversidade
Também da coordenação nacional, Gilmar Mauro conta que se procurou mostrar a diversidade que compõe o movimento sem-terra, trazendo para a feira diferentes culturas do país, seja na alimentação ou nas ações artísticas. Ele destaca que essa produção e esse conjunto de assentamentos no país só é possível porque no passado foram feitas ocupações de terras que se transformaram em assentamentos.
E continua: “A reforma agrária está dentro da Constituição brasileira, nossa luta é nada mais nada menos que o cumprimento da Constituição, que estabelece que toda terra que não cumpra sua função social deve ser desapropriada para fins de reforma agrária. E, para cumprir a função social, precisa produzir racionalmente, respeitar a legislação ambiental e respeitar a legislação trabalhista. E sabemos que existe trabalho escravo, queimadas, destruição ambiental e enormes dívidas com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). O governo federal poderia arrecadar essas terras para fins de reforma agrária”, diz.
Ele também considera que a reforma agrária é uma das alternativas para o combate à fome e à extrema pobreza no país, além das doações. “A doação é importante, claro que é importante, mas não resolve o problema estrutural da fome. É preciso política pública e a reforma agrária pode dar jeito com políticas públicas para financiar a produção de assentamentos, agricultura familiar, quilombolas, indígenas, e essa produção (pode) ser trazida para os grandes centros.”
injustiça agrária
Para Ceres Hadich, a injustiça agrária gera outras injustiças estruturais. “Não dá mais para estarmos em pleno século 21 no berço desse agro próspero que gera fome. Hoje, temos mais de 33 milhões de brasileiros em situação de fome e milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar. Já não nos é possível viver com isto sabendo que temos todas as condições para procurar alternativas e combater isso do ponto de vista estrutural.”
O agricultor Carlos Aparecido Ferrari, 67 anos, participou do processo de criação do MST e é um dos representantes desse ciclo virtuoso de produção sustentável baseada na distribuição da terra, com respeito ao trabalhador e ao meio ambiente, gerando renda e oferta de alimentos gratuitamente pesticidas para os consumidores.
Após um encontro nacional para tratar dos conflitos fundiários, ele conta que se percebeu que a desigualdade na distribuição da terra estava presente em todo o país e que a luta por esse direito já se dava de diferentes formas.
“Tomamos a decisão, precisávamos construir uma ferramenta para unificar a luta de sul a norte na mesma linha política e na mesma forma de lutar pela terra”, diz. Foi criada uma comissão para pensar o movimento, foi realizado o primeiro encontro nacional e, a partir daí, nasceu o MST em 1984.
“Essa linha que adotamos de fazer a ocupação, de enfrentar o latifúndio, foi o que nos levou a conquistar milhões de hectares de terra em todo esse país. E com isso passou a discutir a produção de alimentos para acabar com a fome. Avançou não só na produção, mas também na agroindustrialização, como o arroz no Rio Grande do Sul já industrializado, o mel já industrializado que vem dos assentamentos, (ele) teve um avanço muito grande do ponto de vista da produção, de industrialização e comercialização”, analisa Carlos Aparecido.
concentração de terra
Ocupações e acampamentos foram formas de denúncia da concentração de terras em poucos e latifúndios improdutivos, e são estratégias de luta pela distribuição de terras.
“Em alguns casos, conquistando áreas que nem eram ocupadas. Mas a ocupação levou à denúncia dos latifúndios improdutivos e, de repente, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) passou a fazer fiscalizações mesmo sem estar ocupado, não dava índice de produção (adequado) e com isso ( aquela área) entrou na lista de desapropriações, já houve muitos assentamentos como este”, acrescenta.
Ainda segundo Carlos Aparecido, o movimento acabou assumindo o papel de denunciar outras injustiças que ocorrem no campo, além do acúmulo de terras, como assassinatos e chacinas, além da ocorrência de trabalho escravo. Tamakavi, no Mato Grosso do Sul, distribui gratuitamente e troca sementes crioulas astecas de milho, feijão e arroz. Segundo ele, essa variedade de milho está quase extinta e é importante que as sementes sejam compartilhadas.
“Continuar a resistência para produzir semente nativa, semente limpa, sem transgênicos, sem veneno. Se a gente não distribuir para os amigos e trabalhar para ver se alguém compra a ideia de uma produção ‘limpa’, vai acabar”, finaliza.